Em 2001, defendi minha tese de mestrado, “Gringos”, no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social no Museu Nacional. Modéstia
aparte, pelo que eu saiba, ela é até hoje a única tentativa de olhar para os
anglo-americanos enquanto imigrantes ao Brasil.
No decorrer da minha pesquisa, entrevistei 57 gringos anglofalantes, residentes na
Cidade Maravilhosa. O corte analítico era isto: para ser entrevistado, a pessoa
em questão tinha que estar vivendo no Brasil por pelo menos um ano, tinha que
falar português, e tinha que ter nenhum plano de regresso a seu país de origem
logo em seu horizonte de possibilidades. Tive que adotar esses critérios, pois os
gringos anglofalantes quase nunca se consideram como “imigrantes”: imigrante é
aquele asiático, africano, ou latino americano que vive nos países de origem
deles. Um americano radicado no Brasil faz 25 anos (como eu) é um “expatriado”
e nunca um membro da nação onde mora, muito menos um aspirante a cidadão.
Descobri muito sobre os gringos, mas a coisa mais importante
que apreendi era como era comum – e geralmente não reflexivo e superficial – a maioria
das opiniões formadas que essas pessoas tinham sobre o Brasil, particularmente
enquanto comparado com seus países de origem. Mais preocupante, percebi como
meus próprios pensamentos teriam sido influenciados por esses preconceitos
fáceis.
A partir daquele momento, nunca mais tomei qualquer coisa
que um gringo falasse como observação inocente ou objetiva sobre o Brasil. As
comparações entre o Brasil e seus países de origem costumam ser particularmente
carregadas de posições ideológicas e tramas psicológicas não examinadas. Isto
não quer dizer que tudo que gringo fala é uma merda: estou apenas afirmando que
nenhuma observação do Brasil, feito por imigrante ou visitante, vem
desacompanhada de crenças embutidas sobre a natureza do mundo e o local devido
dos brasileiros (e dos gringos) nele.
Faz mais ou menos 4 semanas, está aparecendo em minhas redes
de sociabilidade digitalizadas um artigo escrito por um tal de “Mr. X”, que vivia por três anos em SãoPaulo e aparentemente não gostou muito da experiência. Não conheço pessoalmente
o Mr. X, mas pelo pouco que transpira de sua lista, parece ser um caso típico
de gringo que casou com brasileira, imigrou em função desse casamento, nunca se encaixou
nessa sociedade e, desfeito o casamento, voltou para os EUA xingando tod@s pois,
obviamente, o desastre não podia ter nada a ver com ele mesmo
enquanto pessoa: o culpado tinha que ser o Brasil.
A lista do Mr. X continua circulando, porém, entre meus
amigos brasileiros – geralmente os da classe média p’ra cima – juntos com uma
série de comentários sobre como o gringo acertou na mosca. Para mim,
isto era mais que previsível. Eu estava até sentindo falta daquilo que minha
esposa, a antropóloga Ana Paula da Silva, chama de “o complexo dos vira-latas”:
a profunda crença brasileira que esse país é terminalmente condenado a uma
inferioridade sócio-cultural-político-econômico enquanto comparado com a
Europa Ocidental e os EUA. Essa síndrome tradicional tinha sido temporariamente
apagada pelos gritos de “Anauê!” e outras manifestações do nacionalismos barato,
inculcadas pela euforia frente ao relativo sucesso econômico do Brasil durante
a primeira década do Século XXI. Não é de surpreender, porém, que frente aos
tumultos do inverno e a desaceleração da economia, estamos de volta ao bom e
velho pessimismo sobre o Brasil.
É bom lembrar nessas horas o que eu apreendi em meu estudo
sobre os migrantes anglofalantes: nenhum deles (inclusive eu) fala
inocentemente sobre o Brasil, particularmente quando compara o país com seus
países de origem. E, com o intuito de
explorar essa descoberta com vocês que, como eu, devem estar encontrando a
lista de Mr. X em toda parte, escrevo minha própria lista. Essa é intitulada
“por que devemos desconfiar das opiniões de gringos que passam uns meses ou
poucos anos vivendo no Brasil”. Vamos lá...
1) Os
gringos raramente constroem redes sociais extensas ou profundas com brasileiros
quando estão aqui. Tipicamente, seus interlocutores nativos são das famílias de
seus parceiros amorosos ou, as vezes, do trabalho.
2) Geralmente,
os gringos interagem com o Brasil de uma maneira agressiva e oportunista. Ou
seja, estão aqui em função de projetos pessoais que querem avançar, as vezes a
qualquer custo. O Brasil, enquanto país e sociedade, tem uma certa utilidade
enquanto possibilita ou avança esses projetos: na medida em que os impeça, é
inadequado.
3) Os
gringos adoram criticar a falta de consciência brasileira para com o meio
ambiente, principalmente para evitar pensar sobre como suas sociedades de origem
também estão acabando com o planeta. Frente aos desastres do British Petroleum
no Golfo de México e do Freedom Industries em Virginia Ocidental, para não falar
dos escândalos de fracking e do projeto tar sands e a destruição
ecológica incipiente da Grande Barreira do Coral, é
surpreendente que qualquer britânico, canadense, australiano, ou americano
poderia avaliar o Brasil como mais displicente com o meio ambiente que seus
países de origem.
But hey: the Amazon.
But hey: the Amazon.
4) Os
gringos – e particularmente os americanos –
toleram uma quantidade incrível de corrupção nos negócios e governo.
Diferente dos brasileiros, porém, recusam admitir ou criticar isto. Dessa
maneira, atos que dariam em escândalos e prisões no Brasil – o mensalão, por
exemplo – são legitimizados como “business as usual” em seus países de origem.
5) As
mulheres gringas são excessivamente obcecadas com seus corpos e são muito críticas
(e competitivas com) as outras. Pior: gostam de presumir que “seu” feminismo é
o mais avançado e igualitário do mundo, mesmo quando fazem tais coisas como
criminalizar a prostituição, prendendo mais de 60.000 mulheres por ano pela venda
do sexo (como é o caso dos EUA).
Precisam construir uma mulher “terceiro mundista objetificada e
infiorizada” para puder se sentir superior frente ao machismo e sexism que
infiltram suas próprias sociedades.
6) Os
gringos, principalmente os homens, são altamente propensos a casos
extraconjugais. Se duvida disto, sai andando por nossas praias e veja quantos
lobos solitários estrangeiros – devidamente casados em seus países de origem –
estão a espreita.
7) Os
gringos, especialmente as pessoas que vendem novos produtos e tecnologias, são
geralmente malandras, preguiçosas e quase sempre desonestas.
8) Os
gringos são muito expressivos de suas opiniões negativas a respeito do Brasil e
dos brasileiros, com quase total desrespeito sobre a possibilidade de ferir os
sentimentos de alguém.
9) Os
gringos têm um sistema de classes muito proeminente. Os ricos têm um senso de
direito que está além do imaginável. Eles acham que as regras não se aplicam a
eles, que eles estão acima do sistema, e são muito arrogantes e insensíveis,
especialmente com o próximo. Como prova disto, é só dar uma olhada nas
penalidades sofridas pelos chefes das maiores instituições financeiras dos EUA
e da Europa Ocidental frente aos desastres econômicas de 2008-2009, causados por
suas práticas desonestas. Compare essas a penalidade que um jovem negro
sofreria em Califórnia se fosse preso assaltando um posto de gasolina por USD 20. Ahn,
a famigerada justiça do país que é o maior estado policial de todos os tempos,
os EUA!
10) Gringos
constantemente não leiam, escutam, ou pensam sobre quaisquer opiniões que não
são formuladas dentro de seus próprios países. A história, para eles,
simplesmente não inclui 90% da raça humana.
Agora, se você anda furioso com essa lista de preconceitos,
ótimo. Sugiro que você aplica o mesmo raciocínio à lista original.
A verdade da situação é essa: qualquer generalização que você pode fazer de uma sociedade de 200 milhões (ou um bilhão... ou um milhão...) de indivíduos vai ser altamente condicionada á milhões de exceções. Mas o mais que você amplia essas observações, o mais que elas podem referir a qualquer lugar, qualquer povo, qualquer tempo.... Dizer que a mulher brasileira vive numa regime de beleza filha-da-puta e repressora, que prega o moralismo falso, é mais que correta. Onde eu salto do Trem da Alegria, porém, é quando essa é situada como pior (ou melhor) que a situação das americanas.
A verdade da situação é essa: qualquer generalização que você pode fazer de uma sociedade de 200 milhões (ou um bilhão... ou um milhão...) de indivíduos vai ser altamente condicionada á milhões de exceções. Mas o mais que você amplia essas observações, o mais que elas podem referir a qualquer lugar, qualquer povo, qualquer tempo.... Dizer que a mulher brasileira vive numa regime de beleza filha-da-puta e repressora, que prega o moralismo falso, é mais que correta. Onde eu salto do Trem da Alegria, porém, é quando essa é situada como pior (ou melhor) que a situação das americanas.
Ou seja, pimenta nos olhos dos outros refresca, neh?
Criticar os problemas de uma sociedade é uma coisa. Fazer isto com o claro intuito de sugerir que seu país de origem é superior vai além do etnocentrismo: é simplesmente ridículo. Fala muito mais alto sobre as inseguranças e preconceitos da pessoa que cria a comparação do que sobre as duas sociedades comparadas.
Para com o Mr. X, só posso falar que é triste que seu casamento acabou num divórcio. A causa dessa situação, porém (e dos três anos de vida que ele deixou em São Paulo) não é o Brasil.
E para vocês brasileiros que estão enchendo minha muralha de Facebook com as observações de Sr. X, como se estas fossem profundas ou originais, vai refletir um pouco sobre o que o dor de cotovelo é capaz de provocar numa cultura que não tem tradução adequada para a palavra “saudades”.
Criticar os problemas de uma sociedade é uma coisa. Fazer isto com o claro intuito de sugerir que seu país de origem é superior vai além do etnocentrismo: é simplesmente ridículo. Fala muito mais alto sobre as inseguranças e preconceitos da pessoa que cria a comparação do que sobre as duas sociedades comparadas.
Para com o Mr. X, só posso falar que é triste que seu casamento acabou num divórcio. A causa dessa situação, porém (e dos três anos de vida que ele deixou em São Paulo) não é o Brasil.
E para vocês brasileiros que estão enchendo minha muralha de Facebook com as observações de Sr. X, como se estas fossem profundas ou originais, vai refletir um pouco sobre o que o dor de cotovelo é capaz de provocar numa cultura que não tem tradução adequada para a palavra “saudades”.
Olá, meu nome é Marcionila Teixeira e sou jornalista do Diario de Pernambuco, no Recife. Gostaria muito de falar com vocês sobre prostituição.Poderiam repassar o contato para o e-mail: marcioniladp@gmail.com?
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