Sunday, May 16, 2010

Trabalho Final do curso: Olhares estrangeiros: raça, sexualidade, gênero e nação em perspectiva/2010



[Mensagem para os alunos de Ana Paula, USP, turma de "Olhares Estrangeiros".]

Olá turma,

Estamos chegando ao final do nosso curso e com ele o último trabalho. Aqui vão a prosposta e instruções para a sua elaboração.

Escolha uma (1) mídia e faça uma análise comparativa e crítica com três (3) autores da bibliografia do curso. As mídias são:

- Filmes:
Olhar Estrangeiro. Lúcia Murat, 2006.
Pierre Verger: mensageiro entre dois mundos. Lula Buarque  de Holanda, 1998.
Reportagem da Rede Globo, JN, sobre turismo sexual em Fortelza, clicando aqui.

O texto deve ter no máximo dez (10) páginas com notas e bibliografia, em espaço 1.5, corpo 12 em Times New Roman.

A data de entrega é: 21/06/2010.

Abraços,

Ana Paula

Tuesday, May 11, 2010

Como (não) se Faz um Brasileiro


Cartaz racista e anti-imigrante, retirado de um blog brasileiro. Obviamente, O Mangue não apoia estes sentimentos. Muito pelo contrário. Mostramos o cartaz para desmentir a visão ingênua que muitos brasileiros têm do Brasil como país "acolhedor de imigrante".

The above poster is racist anti-imigration propaganda taken from another Brazilian blog. We post it here not to give support to these sentiments, but to show our Brazilian freinds, students and colleagues that the recent sentiment afoot in Arizona in the U.S. has a well-nourished counterpart in our country. We think this sort of attitude sucks the big one and have blacked out the police hotline numbers for that reason.

[O artigo a seguir é da autoria de Thaddeus Gregory Blanchette e foi publicado na Revista Travessia, no janeiro de 2008. Estamos re-publicando ele aqui como subsidiário para o debate sobre o recente projeto de lei SB1070 em Arizona, nos EUA. Nos últimos dias, temos conversado com vários brasileiros e gringos que acham que a situação no Brasil é boa e achamos que essas pessoas devem saber melhor...]



Como se (não) faz um brasileiro

Nos dias de hoje, marcados pelo recrudescimento das fronteiras nacionais e as guerras contra substantivos (tipo “drogas” e “terrorismo”), onde populações e até religiões inteiras são marcadas como ameaçadoras e dignas de exclusão, ainda existe uma tendência de pensar no Brasil como uma espécie de refugio: talvez o último país que ainda aceita o imigrante com braços abertos. Até os membros dos movimentos negros e indígenas, sempre atentos aos preconceitos homogenizantes forjados no nome do nacionalismo, afirmam que o Brasil ama o imigrante – tendo uma preferência para ele, talvez, em detrimento de seus filhos nativos.


Os que acham a política de imigração brasileira liberal demais podem ficar sossegados. Longe de ser o mais acolhedor de todos os países, o Brasil detêm um estatuto de estrangeiros antiquado e vago – porém excepcionalmente flexível – que permite aos imigrantes menos direitos do que os nos Estados Unidos. Se for verdade que o país ainda não fechou suas fronteiras, é igualmente verdadeiro que, uma vez fincado em terras brasilis, o imigrante está à mercê de uma burocracia arbitrária e freqüentemente corrupta. Ademais, ele se vê cercado por uma série de preconceitos, amplamente fundidos entre a população, cuja característica principal é sua incontestabilidade. Finalmente, enquanto na Europa e nos Estados Unidos, o imigrante encontra movimentos nativos que o apóiam e que militam em favor de seus direitos, no Brasil, a sociedade civil tem quase esquecido dele, acreditando que migração para o Brasil é coisa do passado.

Tenho acompanhado a jornada de um estrangeiro que tem se lutado para se naturalizar e, enfim, se tornar brasileiro. Pode-se dizer que sou íntimo com os detalhes de seu caso, mas o tratarei aqui como informante e, como todo informante, protegerei sua identidade, lhe dando o nome falso de “Jude Thoreaux” . Escolhi o Jude para esse empreendimento porque, além de conhecer bem seu caso, ele se configura como aquilo que tem sido entendido historicamente no Brasil como o “o bom imigrante”, seguindo a observação feita por Giralda Seyferth (2000:98). Jude é homem, branco e oriundo dos EUA. Não é criminoso, tem se esforçado para se assemelhar ao seu meio social e cultural (aprendendo português e evitando contato com outros americanos), trabalha, é detentor de educação universitária e foi casado duas vezes com brasileiras. Crucialmente, nunca ficou ilegalmente no Brasil. Deve ser, enfim, seguindo as leis e a grande maioria dos preconceitos de classe, gênero, cultura e raça presentes em nosso país um “imigrante ideal”. Ademais, Jude é detentor de uma bagagem cultural que permite ele a navegar a burocracia da Divisão de Estrangeiros do Ministério de Justiça com um alto grau de competência. As experiências dele em suas tentativas de se naturalizar podem, então, melhor ilustrar algumas das falências múltiplas que atualmente assolam as leis imigratórias no Brasil do que as de um informante mais socialmente marginalizado.

Jude Thoreaux tem 40 anos e é estrangeiro residente no Brasil desde 1992. É natural da zona rural do meio-oeste dos EUA e veio ao Brasil, pela primeira vez, em 1984 como aluno de intercâmbio, passando um ano no interior de São Paulo. De volta para os EUA e ingressando-se na universidade, Jude entrou no Programa de Estudos Luso-Brasileiros de sua escola e passou três anos se especializando em português, sociologia e estudos da América Latina. Em 1990, retornou-se ao Brasil e cursou três anos na Universidade de São Paulo como aluno visitante.

A aproximação inicial do Jude ao Brasil foi privilegiada. Como aluno de intercâmbio, ele disponibilizava de uma estrutura de apoio, que incluía advogados, para intermediar suas interações com a burocracia imigrantista. Sua situação como intercambista, hospedada numa família brasileira, lhe providenciou uma excelente chance de se assemelhar e aprender português. Essa sua habilidade com português, por sua vez, o ajudou na volta para os EUA, providenciando sua inserção num departamento de estudos avançados, possibilitando uma bolsa, e – finalmente – a volta para o Brasil através da USP.

Todavia, apesar de ser relativamente privilegiado, Jude ainda encontrou dificuldades típicas de imigração. Em primeiro lugar, migrar não era sua intenção original. Após de três anos na USP, porém, Jude não estava preparado para voltar aos EUA porque tinha novas oportunidades em São Paulo e uma rede de relações interpessoais que relutava em abandonar. Portanto, precisava ter condições de reproduzir sua vida no Brasil e isto, por sua vez, significava encontrar trabalho. Jude logo arranjou um emprego como tradutor de inglês – ironicamente, um dos principais “guetos étnicos” de trabalho para anglo-falantes no Brasil (BLANCHETTE, 2000). Como muitos outros imigrantes, ele trabalhava ilegalmente, pois seu visto de estudante proibia o exercício de funções remuneradas. Seus empregadores, portanto, não podiam lhe colocar na folha de pagamento da empresa e conseqüentemente, ele estava trabalhando sem benefícios, seguro saúde, ou aposentadoria.

Com o fim de seus estudos na USP, Jude enfrentou outra barreira encontrada por imigrantes. Em 1992, ele se encontrou numa situação difícil, por causa de uma mudança súbita no processo de cobrança de multas para situação irregular no Brasil . Jude atrasou 30 dias em pedir a renovação de sua vista de estudante em função das provas finais de semestre e a corrida natalina em seu emprego. Quando finalmente apareceu na Polícia Federal para regularizar sua situação, foi informado que seu visto tinha sido cancelado e que precisava retirar-se do Brasil.

Como Jude lembra da situação, “Até aí, não era grande coisa, pois no passado, isto implicava o pagamento de uma pequena multa e uma rápida viagem ao Paraguai para renovar o visto”. Todavia, mudanças na contabilização das multas para a irregularidade complicavam o quadro:

Antes, a multa era USD80. Isto mudou para USD20 por dia, sem limite e retroativa. E mais: se você já tivesse sido irregular antes, a multa era dobrada. Por causa disto fui multado em USD1200, que tive que pagar antes de puder regularizar minha situação – ou seja, 4 vezes meu salário mensal!

Jude ficou chocado com a natureza abrupta das modificações:

Essas novidades não eram mudanças de leis e sim transformações de como as leis já existentes eram administradas. Pelo que eu saiba nada foi discutido no Congresso. Quando fui ao Consulado Americano pedir ajuda, nem eles sabiam das novidades. A mudança pegou todo mundo de surpresa. Eu pensava ‘Meu deus, todo mundo crítica o sistema imigrantista dos EUA, mas você jamais poderia fazer algo assim lá sem alguma cobertura na mídia’. E em SP, nada: nenhuma notícia, nenhuma discussão. Era como se estrangeiro simplesmente não existia na cidade.

Jude viu situações de desespero na fila da PF:

O pior de tudo era o fato da multa ser retroativa. Tinha uma turca na minha frente que tinha imigrada para o Brasil em 1956. Seu marido, naturalizado brasileiro, tinha tomado conta de tudo para ela. Ela não sabia nada sobre sua situação frente à lei. Mal falava português. Acontece que o marido tinha morrido e ela estava tentando negociar o inventário e descobriu que seus documentos não estavam em ordem. Foi a PF e foi multada por 36 anos de irregularidades. Você pode imaginar a situação. A única coisa boa era, como tinha filhos brasileiros, ela não podia ser deportada.

Jude foi avisado por um funcionário da PF que a solução seria pagar a multa e fazer uma rápida viagem ao Paraguai, entrando no país com um visto novo. No entanto, ele e sua namorada Carla, uma brasileira, desconfiavam que tal solução seria insuficiente: “Resolvemos, então, casar. Antes de eu partir para Paraguai, fomos ao cartório para marcar a data”.

No Paraguai, Jude descobriu que sua desconfiança tinha base: ele tinha sido desinformado pela PF de São Paulo. Uma mudança adicional na lei proibia os americanos de pediram vistos para o Brasil fora de seu país de origem: “No consulado brasileiro do Puerto Iguaçu, eles me diziam que era uma mudança recente e por isto a PF de São Paulo não deveria saber dela. Tive sorte, porém: quando mostrei ao vice-cônsul que meu casamento já estava marcado, ele teve pena de mim e soltou um visto temporário de 15 dias. Consegui, então, voltar ao SP, casar com Carla e, no dia seguinte, dei início a meu processo de permanência”.

Tenho explorado em outro artigo o dilema vivido por Jude em sua decisão de casar, que é bastante comum entre imigrantes de todos os tipos (BLANCHETTE, 2003). Basicamente, neste caso, um relacionamento afetivo pré-existente foi subitamente transformado em casamento pela pressão das leis regulando imigração. Frente a uma mudança abrupta no regime imigrantista brasileira, Jude, então, lançou mão a um recurso familiar a todos os imigrantes ilegais e irregulares. É interessante notar que, nesta crise, seus vários marcadores macro-sociais de status (ser homem, branco, americano, classe média, etc.) não providenciaram nenhuma saída: caso que não tivesse a ajuda de Carla, ele teria que ter ido embora do Brasil ou ser transformado num imigrante ilegal. De fato, ser americano atrapalhou Jude na medida em que os americanos – diferente dos europeus ou latino americanos – não podiam pleitear visto renovado em Paraguai, tendo que retornar a seu país de origem.

Após da crise de 1992, Jude fixou residência no Brasil por longo período sem problemas. Recebeu o status de estrangeiro residente em 1993 em função de seu casamento e logo em seguida, regularizou sua situação frente às leis de trabalho. Nas palavras de Jude, “Não pensava mais em ser estrangeiro e começava a me encarar como brasileiro nascido no exterior. As pessoas ao meu redor, no trabalho e no bairro, apoiavam essa definição”.

Em 1999, porém, já separado de Carla, Jude voltou à universidade, pleiteando e ganhando uma vaga num programa de pós-graduação conceituado no Rio de Janeiro. No entanto, mudar de cidade e de círculo profissional ressuscitou uma série de alteridades que Jude pensava ter enterrado. “Em São Paulo, já tinha meu lugar e, embora gringo, eu era ‘aquele gringo’. O gringo da turma, vamos dizer. Era tratado como pessoa e não como um anônimo. Mas quando cheguei no Rio, a coisa mais óbvia para meus novos colegas era o fato de eu ser americano”.

Ser visto como americano em seu novo meio-ambiente implicava confrontos com uma série de preconceitos: “No mundo editorial, eu era razoavelmente bem conhecido e não estava competindo com ninguém. No Rio, eu estava sendo inserido numa profissão competitiva, com pouquíssimas vagas em seus níveis mais altos. De repente, notei que as pessoas estavam me classificando como estrangeiro e usando isto para me desqualificar”.

Jude lembra particularmente bem de uma ocasião no final de seu primeiro semestre de estudos quando, numa reunião social, uma colega decidia confrontá-lo publicamente:

Essa mulher tinha reputação de ser uma intelectual anti-racista e eu admirava muito seu trabalho. Acontece, porém, que ela achava ‘um absurdo um americano estar em nossa universidade, ocupando uma vaga que deve ir a um brasileiro e gastando nossos impostos’. Eu pensava ‘Nossos impostos?’ Porque, pelo que eu sabia, ela não trabalhava enquanto eu tinha sido contribuinte por seis anos. Pior: ela tinha acabada de voltar de uma temporada de estudos nos EUA, com bolsa americana, e em nossas aulas vivia falando sobre os preconceitos contra os imigrantes naquele país. Fiquei de boca aberta. Teve até professor – gente em favor das cotas raciais, que se posicione como lutador para a redução das desigualdades no Brasil – que dizia, entre os alunos, que as bolsas de todos os estrangeiros deviam ser cortados. E novamente, lá ‘tava eu, pensando ‘Peraí. Quem é estrangeiro? Sou residente. Tenho os mesmos direitos que qualquer brasileiro frente ao sistema educativo.’ Mas o pior foi uma aluna mandar um e-mail acusando os alunos ‘estrangeiros’ de roubaram recursos do Brasil para depois irem embora do país. Todo isto estava acontecendo num departamento das ciências sociais, num contexto em que a gente discutia a instalação de ações afirmativas, o racismo institucional e etc., mas quase ninguém se tocou quando o preconceito era o nativismo.

Os preconceitos que encontrou em seu novo meio social foram um dos fatores que empurrou o Jude a buscar se naturalizar como cidadão brasileiro: “Decidi se eu tinha que ser o alvo de nativismo, pelo menos ninguém poderia me acusar de não ser brasileiro”. Então em 2004, já divorciado de Carla, ele começou o processo de naturalização.

A papelada foi terrível. Além de uma série de atestados legais, comprovando que Jude não era alvo de nenhum processo no Brasil, era necessário arranjar atestados de seu país de origem, mandar validar esses no consulado brasileiro mais próximo ao local de seu nascimento, e depois os traduzir juramentadamente. Levou um total de 40 dias para organizar somente os documentos brasileiros e foi preciso uma viagem aos EUA para conseguir os atestados americanos. O custo total da papelada (sem contar a passagem para os EUA) foi em torno de 2000 reais.

“O pior não foram os atestados,” diz Jude:

O pior foi o fato de que os documentos só tinham validade de 90 dias e alguns atestados levavam um mês ou mais para serem emitidos. Ou seja, eu tive que orquestrar a organização da papelada de tal forma que meus atestados brasileiros seriam colhidos antes que meus atestados americanos perdessem sua validade – algo complicado quando você está tratando com burocracias em dois continentes diferentes!

Jude conseguiu juntar seus papeis e deu entrada ao processo, mas logo encontrou outro empecilho. Antes de se divorciar de Carla, ele tinha se informado com a Polícia Federal sobre o efeito que o divórcio teria em seu status como estrangeiro residente. “A funcionária principal do setor de naturalização da PF do Rio tinha me dito que eu não perderia minha residência, sob hipótese alguma, dado o fato que eu e Carla éramos casados por quase dez anos. Todavia, uma vez entregue a papelada, a situação revelou-se diferente”.

A mesma pessoa que tinha confirmado que Jude não perderia sua residência agora lhe avisou que, pelo fato do divórcio ter eliminado a justificação de residência no Brasil, a Polícia Federal do Rio de Janeiro não concederiam um aval positivo ao seu pedido de naturalização. Pior ainda: a PF estava revogando seu status de estrangeiro residente. “Neste momento”, dizia Jude, “eu tinha fixada residência no Brasil, constantemente, por 15 anos, sendo residente permanente por 13 desses. Era doutorando numa universidade federal, professor substituto em outra universidade, bolsista de CAPES e, para a PF, tudo isto não constava 'prova suficiente de ligação profissional e/ou afetivo com o Brasil'.

A chefe do setor de naturalizações até encarou o fato de eu ser estudante como uma prova de que eu estava mentindo sobre minha situação. 'Estudante?! Com quase 40 anos nas costas, como é que você pode ser estudante? Isto não acontece. Isto é muito suspeita'. Apresentei documentos comprovando minha situação como aluno, bolsista e professor, cartas de colegas, da minha orientadora, exemplos de artigos que eu tinha escrito... tudo. Mas como essa gentil servidora pública decidiu – arbitrariamente – que um homem de 38 anos não podia ser um estudante, todas essas provas foram sumariamente desconsideradas. E aí começou uma série de eventos estranhos...

Em conferência com a responsável pelo setor de imigração, Jude foi informado que sua residência seria revogada caso que continuasse pedindo a naturalização. Todavia, como “favor”, a PF arquivaria o processo, “garantindo” que nada progrediria e, assim, salvando Jude da ameaça de deportação. Ele desconfiava da proposta:

Na reunião que tive com a chefe do setor de imigração, ela avisou que foi informada pela chefe do setor de naturalizações que meu casamento com a Carla tinha durado somente dois anos em vez de quase 10 e que eu não tinha nenhum vínculo com o Brasil. Quando tentei falar sobre minha situação, a chefe do setor de naturalizações me cortou, sussurrou no ouvido da chefe do setor de imigrações e a reunião acabou. Aí, então, já de saída do escritório, perguntei a ambas 'O que devo fazer para resolver essa situação? Devo contratar um advogado?' E a resposta foi categórica: 'Se você contrata advogado, vamos cancelar sua residência e te deportar imediatamente.' Eu sabia, então, que não podia confiar nesse povo. Elas estavam violando meus direitos, tinham ignorado todas as informações comprovadas em minha ficha e agora estavam dizendo que tinham o direito de me deportar, arbitrariamente e sem apelos! Como poderia confiar que a PF, de fato, iria arquivar meu processo, dado a truculência ou incompetência que seus funcionários estavam demonstrando? Então no dia seguinte, contratei um advogado.

A interação do advogado de Jude com a Polícia Federal do Rio de Janeiro também suscitou dúvidas sobre as intenções das burocratas envolvidas no caso:

Quando meu advogado foi apresentado para as duas, uma virou para a outra e comentou ‘Olha só: o Sr. Thoreaux contratou advogado. Agora vamos ter que deportá-lo, mesmo'. Graças a deus, meu advogado foi um profissional excelente. Ele as ameaçou com um mandato de segurança e a conversa logo tomou um rumo mais cordial: 'Ahn, se a gente sabia que o Sr. Thoreaux queria realmente contratar um advogado, era só ele falar com a gente. Poderiamos ter avisado ele sobre com quem falar e teriamos evitado essa discussão'. Meu advogado classificou esse papo como abertura para um suborno.

Após de mais duas reuniões com a Polícia Federal, o advogado de Jude conseguiu frear o processo de revogação de residência e convenceu a chefe do setor de imigração a transformar sua avaliação do pedido de naturalização de “negativo” em ”neutro”. Todavia, o processo levou mais de um ano e custou perto de 4000 reais. Finalmente, em 2006, após de mudanças na PF do Rio de Janeiro decorrentes de um escândalo de corrupção, o processo de Jude foi reavaliado por outra equipe de burocratas com aval “positivo” e mandado para o Ministério de Justiça em Brasília. “E aí aconteceu o desfecho frustrante do processo,” como Jude afirma. Em função da longa demora entre o início do pedido de naturalização e seu desfecho, todos os documentos e atestados originalmente apresentados no caso perderam sua validade:

Em dezembro, 2006, 15 dias antes do final do ano, recebi uma carta do Ministério de Justiça dizendo que tive que refazer toda minha documentação dentro de um prazo de 30 dias ou meu processo seria arquivado. Liguei para Brasília, mandei cartas e faxes tentando explicar minha situação e pedir uma extensão, mas nunca recebi resposta. Portanto, agora estou com um processo de naturalização arquivado em Brasília e nenhuma noção de como proceder no caso. Meu advogado pense que a nossa melhor opção é processar o governo federal por violação de direitos constitucionais. Afinal das contas, como residente no Brasil por mais de 15 anos, tenho o direito a cidadania – isto, de fato, é um dos únicos direitos que a constituição brasileira concede ao estrangeiro. Mas tenho que confessar que, após de afundar quase 10 mil reais e 4 quatro anos nesse processo, meu entusiasmo para a naturalização já perdeu um pouco de seu vigor. Afinal das contas, como uma das funcionárias da PF comentou, quem mandou eu tentar ser brasileiro?

O que mais perturbe Jude, porém, não é o fracasso do processo:

Durante todo o processo, os funcionários do setor de imigração ficavam me dizendo que eu deveria ser feliz, pois ser estrangeiro no Brasil é bem melhor que ser estrangeiro nos EUA. Obviamente, esse povo é bem cínico, neh? Mas o que me irrite, profundamente, é ter que ouvir esse mesmo sentimento de amigos e até colegas brasileiros, estudantes das ciências sociais. Não é o fato que a burocracia não funciona que me decepciona e sim o fato que tantas pessoas, que deveriam saber melhor, continuam imaginando que o Brasil aceita o imigrante com braços abertos. Que o sistema está quebrado é fato óbvio. Porque, então, continuamos imaginando que ele funciona bem – melhor até do que na Europa ou nos EUA?

O principal empecilho encontrado por Jude – tanto na crise de 1992 quanto no processo de naturalização – é a natureza plástica das leis brasileiras que regulamentam a imigração e parece encorajar atitudes arbitrarias por parte dos oficiais da Polícia Federal encarregadas com sua supervisão. A atual Lei dos Estrangeiros, por exemplo, concede a permanência mediante ao casamento com um brasileiro, mas estipula que esse status só continua válido enquanto o casamento dure. De acordo com a letra da lei, uma viúva estrangeira poderia ser expulsa do país após de 40 anos de residência seguindo a morte de seu cônjuge brasileiro. Obviamente, tal situação seria extrema, mas nada na lei, como ela é escrita, a impeça. De acordo com os advogados da área de imigração, um estrangeiro que fique casado por um período superior a cinco anos antes de uma separação ou divórcio pode ter sua situação analisada pela Divisão de Estrangeiros. Todavia, as bases para essa “analise” não são explícitas e o processo é completamente opaco. No caso de Jude, isto nem foi oferecida como opção pela PF, que o informou que a expulsão seria “automática” e, aparentemente, tentou usar a vulnerabilidade do americano a essas arbitrariedades para solicitar uma propina .

O fato de Jude ter falhado em sua busca para se tornar brasileiro é, de certa forma, mais revelador das ideologias, estruturas e preconceitos subjacentes a burocracia que regula a imigração no Brasil do que um caso envolvendo outro tipo de imigrante, menos privilegiado. Afinal, como o próprio Jude reconhece, ele é longe de ser o alvo dos piores preconceitos que existem dentro do campo imigratório no Brasil: “Não posso reclamar que sou um excluído. Em geral, tenho sido bem tratado, talvez por ser classe média, educado na universidade, lusofalante, branco e americano. Mas fala sério: se eu tenho encontrado todos esses problemas que encontrei, imagina-se, então, um nigeriano, boliviano, ou chinês, particularmente se o cara fosse pobre, analfabeto, ou ilegal. Que chance ele tem? Se eu não consigo me tornar brasileiro, quem pode?”.

É uma pergunta que merece ser levada em conta nas discussões, agora em pauta no Congresso Nacional, sobre a renovação da Lei dos Estrangeiros no Brasil.