Monday, June 24, 2013

Raízes, "astroturf" e o novo ambiente político do ativismo no Brasil



Um novo termo lexical precisa ser traduzido para português: "astroturf movement".

"Astroturf" é o gramado artificial que tem nos estádios de futebol nos EUA. Quando os americanos falam em "movimentos de raiz", falam em "grassroots movements". Ou seja: "Movimentos [que crescem] dos raízes do gramado." Portanto, um "movimento astroturf" é um movimento de raiz falso, artificialmente criado e mantido.

Obama e seus oponentes foram acusados de utilizarem tais movimentos em ambas as eleições de 2008 e 2012. E, em 2010, foi revelado que o National Security Agency , a CIA e o FBI estavam mantendo seus próprios grupos "astrotruf" na internet.

Em 2008, quase nenhum brasileiro sabia quem era Anônimo. Lembro tentando explicar o fenômeno para meus colegas na ABA e na BRASA daquele ano e todo mundo me olhando como se eu fosse maluco. O Brasil, a meu ver, está uns 2-4 anos atrás da crista da onda nesses desenvolvimentos. Nossos primeiros grupos astroturf só sugiram na última eleição presidencial e, mesmo assim, não impactaram na consciência pública de maneira decisiva.

O que estamos vendo agora, nas teorias conspiratórias que cercam o atual crise, é a percepção, em massa, que a internet de fato abriga todos os tipos e todos os movimentos. É bastante difícil para alguns de meus colegas - particularmente aqueles que tem orientação nacionalista e/ou socialista - entender como essa nova meio ambiente política funciona. Encarando o que lhes parecem como caos, eles recuam em favor dos antigas teorias políticas e sociais de sua criação.

O fato, porém, é que quase todo mundo está fazendo isto no Brasil hoje: direita, esquerda e os apolíticos. É, enfim, uma espécie de reação fundamentalista intelectual: em momentos de crise, agarra-se mais ainda nas dogmas de sempre. Portanto, tem gente achando que tudo isto é complô da CIA... Que é orquestrada pelos bancos multinacionais... Que é tudo complô da aula reacionária das forças de segurança e as milícias... que é, de fato, uma conspiração bem pensada do Comando Vermelho.

Enfim, conhecendo-se a posição política "tradicional" (quero dizer, na tradição da política dos últimos 40 anos) de um brasileiro hoje, você conhece qual vai ser a sua teoria conspiratorial sobre as manifestções.

O que ninguém quer falar é que tudo isto pode ser uma simples efeito colateral da democratização dos meios de comunicação em momento de crise política. Estamos a frente de um novo ambiente político, proporcionado pela internet e pela irrelevância crescente da mídia tradicional. Não temos mais nenhuma "narrativa nacional" coesa sobre os acontecimentos políticos do dia-a-dia e, nesta situação, conflitos localizados e/ou setoriais podem explodir repentinamente em movimentos populares de massa, dado certas precondições.

A Revolta dos 0.20 Centavos, como a Revolta da Vacina no século passado, prefigura de forma inepta e imperfeita as formas políticas urbanas que se instalariam durante o novo século . As formas antigas de fazer a política perderão, cada vez mais, sua utilidade.

Os grupos que aprendem mais rapidamente a se adaptar a esse novo meio ambiente político terão uma vantagem fulminante nos próximos vinte anos.

Me preocupo que o time com qual estou associado - a de direitos humanos, tolerância, e de uma democracia que pensa em termos sociais - está mais preocupado com 1964 do que com 2014. Em vez de aprender como podemos operar nesse novo ambiente, estão ocupados em lamentar a eliminação do velho.

Sunday, June 23, 2013

Golpe...? Ahn, 'tá!

Ilustração por André Dahmer, usada aqui sem permissão. Meu uso não representa desafio de seus direitos autorais. As opiniões expressas abaixo não são da responsabilidade de André, portanto, não enche o saco dele se você discorda.



por Thaddeus

Marília Moschkovich tem virado febre entre alguns amigos meus, escrevendo textos que nos alertam para a possibilidade de um "golpe" no Brasil em função das manifestações atuais. Seu missivo mais recente pode ser visto aqui: https://medium.com/primavera-brasileira/a321b6486c20

O texto abaixo é minha resposta. Serve para responder a qualquer um que acha que um golpe está sendo organizado pelos poderes ocultos da ultra-direita brasileira...




Como diz Jack o Estripador, vamos por partes, olhando para cada ponto que Marilia levanta:

1) Por que dariam um “golpe”, que golpe seria esse e quem seria responsável?

Marilia admite que não tem porque fazer um golpe, que ela mesma não consegue vislumbrar os agentes políticos que faria o tal do golpe, nem qual seria suas propostas. Coloca como “prova”  de que “algo está sendo montando” barulhos e páginas de internet que são feitas por organizações e pessoas anônimas.

Cara colega, você – como eu – somos professores federais. O que é que falamos para nossos alunos, sempre, sobre a internet? Que não é uma fonte confiável, sendo que qualquer idiota pode botar o que quiser nele...? Uma página no Facebook feita por deus-sabe-quem não é prova alguma da existência de uma conspiração golpista.

Tem gente que se afirma ser militar dizendo que está pronto para “fazer a transição”? Tem crentes da ultra-direita apelando por um estado religioso? E tudo isto no Facebook?! Meu deus, colega! Sabe o que você descobriu? Que o Brasil é um país pluralista em termos de seus grupos políticos!

Sei que é difícil acreditar, sendo que você, como eu, estamos inseridos no sistema universitário, mas existem direitistas no Brasil. Existem fascistas! E alguns deles sabem fazer páginas de FB e montar blogs!

O problema não é que você é paranóica, Marilia: é que você vê padrões onde tem só barulho. Isto é um problema comum entre nos seres humanos, dotados como somos de nossa capacidade superorgânica de manipular símbolos abstratos. É isto que faz as pessoas religiosas veêm o Jesus numa mancha de mofo na parede. Aparentemente, é uma capacidade que também faz sociólogas vislumbrar golpes na barulheira da mídia social...

Mas, ahahn! Não é propriamente de um “golpe de estado” que você está falando e sim desse tal de “golpe de opinião”! Bobo somos nós, então, que entendiam suas palavras na luz do conceito comum da palavra “golpe”. Vamos, então, fingir que “golpe de estado” e “golpe de opinião” são sinônimos, ‘tá? Então quem está preparando esse golpe?

2) Quem participa do poder público no Brasil?
Uau. Então esse tal do “golpe de opinião” foi planejado, em suas raizes, por Dom Pedro I em 1824? É isto a tese que você está sustentando?

Marília, apesar de ser gringo, tenho 25 anos no Brasil, duas diplomas brasileiras em antropologia social e uma norte-americana com especialização na sociologia e na história brasileira. Sei tão bem quanto você – e quanto à maioria de meus colegas que leiam suas missivas – que a história brasileira é fundada numa base escravocrata e profundamente injusta. Também sei que essa base continua vivíssima nos dias de hoje, como quase todos os maiores pensadores brasileiros das ciências sociais têm enfatizado.

Mas tudo isto indica que temos que ter bastante cautela quando utilizamos essa história para criar nossas hipóteses sócio-políticas sobre o Brasil de hoje. A história brasileira é complicada, não é unilinear e CERTAMENTE não é o resumo  da trajetória de uma elite unificada, monolítica, que consegue arranjar tudo de acordo com seu bel-prazer, assim e tal, no decorrer de 500 anos sem modificações significantes.

Vamos olhar para só uma de suas afirmações principais ao respeito dessa história.

Você nos lembra que o votou foi condicionando à alfabetização no Brasil até 1985. E é verdade: isto foi o caso. Mas você sabe – ou deve saber – que isto quase nunca foi empecilho algum na votação no Brasil, sendo que os coronéis da zona rural e os seus primos políticos nas cidades montaram enormes máquinas políticas no decorrer do século XX calcadas no voto popular.  A “democracia” brasileira, diferente da americana, nunca foi efetivamente condicionada pela exclusão do voto: foi formulada pela obrigatoriedade do voto.

Agora, me diga uma coisa: se a elite brasileira é tão unificada e monolítica assim, porque, então, essa grande preocupação como o voto, ao ponto de até obrigar seu uso? Será que é porque a ilusão de democracia é absolutamente importante nas brigas internas dessa classe dominante? E, se isto for o caso, então o que devemos estar tentando enxergar nessa atual crise de ”golpe de opinião” é o seguinte: qual facção dessa classe dominante pensa que só pode ganhar pela baderneira e não pelo voto popular?

E noto que você ainda não nos tem informado sobre quem deveria ser esse grupo.

Vamos lá, então, para....
3) Educação e educação política
A educação deixa as pessoas burras e despolitizadas no Brasil, sei. É justamente por essa razão que socialistas laicos como eu e você ganhamos nosso pão de todo dia como professores, neh?

Mas, OK: concordo. O sistema de educação é, em geral, terrível e cria pessoas despolitizadas. Certo. Onde é, então, que essas pessoas devem se politizar, de acordo com Marx, se não na atividade PRÁTICA, nas ruas, assembléias, conselhos etc. e tal?

 Marx seria a primeira pessoa a advertir que numa situação como essa, a única salvação é através da educação prática. Mas como é que podemos educar, praticamente, se vamos deixar as ruas para os arruaceiros e a gente da direita? Não devemos estar lá nas ruas, educando e divulgando nossas mensagens e propostas, em vez de estar plantado frente ao Facebook, lendo e escrevendo manifestos?

4) Quanto mais gente, menos corrupção
Você REALMENTE acha que “A corrupção nada mais é do que o uso do aparelho do Estado em benefício próprio”? E quem pagou para sua educação e a minha não foi... o Estado brasileiro? Não tiramos algum benefício disso? Ahn, essa não é a mesma coisa? Então podemos hipotetizar que “estado”, no Brasil ou em qualquer outro país, não é apenas uma máquina simples que reproduz fielmente as interesses de uma elite dominante? Podemos concordar que – mesmo que isto seja a operação mais fundamental do estado (afinal das contas, ainda sou marxiano, se não marxista) – na operação cotidiano do Estado muitas contradições e brechas acabam sendo construídas e que nem todas essas operam seguindo a lógica da dominação?

O problema é isto: quanto mais gente MAIS corrupção, Marília. É justamente quando uma série de agentes diferentes, com visões divergentes, entram nos corredores de poder que meios extra-legais acabam sendo construídos para forjar alianças políticas. O escândalo do Mensalão  não aconteceu por causa de uma tentativa de “manter as pessoas burras e afastadas do poder”: aconteceu porque o PT precisava criar meios para governar a cambada de interesses diversas e excludentes que formava sua base eleitoral no Congresso.

A corrupção SEMPRE vai existir em uma democracia justamente por causa da grande variedade de interesses que acabam sendo expressas no parlamento, mesmo se essas são quase todas expressões da classe dominante. Numa ditadura ou num estado fascista, não existe a corrupção justamente porque as coisas que classificamos como “ilegais” na democracia não são ilegais  nesses tipos de governo: ou você é um amigo do poder e pode fazer tudo, ou você não é nada.

Numa democracia saudável, lute-se contra a corrupção, tentando impor regras no jogo de interesses políticos. Presumo que quando chegamos à utopia de um estado socialista, a corrupção vai ser ainda maior e a vigilância contra ela vai ter que ser também maior. A questão posta pela democracia – seja em suas versões liberais ou socialistas – é “O que devemos fazer com a res pública?” Essa pergunta implica-se a possibilidade da corrupção.

Então não, não acho legal você tentar comprovar que, num sistema mais justo, não haverá a corrupção e que a corrupção é causada, fatalmente, pelos interesses da elite.  É uma mentira. A corrupção é nefasta, mas é tanto um componente de democracia (seja que for) quanto as doenças venéreas são componentes de puteiros. Numa democracia – ou num puteiro – saudável, não finge-se que essas coisas são oriundas de “pessoas do mal”. Reconhecemos que fazem parte do negócio e tomamos as medidas profiláticas necessárias.

5) Mas, e o golpe?
Pois é, Marília. Acho interessante esse sobrevôo  que você fez pela história brasileira para nos lembrar que moramos num país injusto, governado por uma classe dominante que não é nossa amiguinha.

OK. E o golpe? QUEM vai fazer?

Ou seja, você pode, usando todos seus dotes marxistas, indicar para nós qual segmento da classe dominante pensa que precisa usar a força em vez das urnas para impor sua vontade?

Vamos ver...

Ahn, então os interesses da pequena elite que sempre dirigiu o Brasil estão sendo atendidos?

E os EUA – o grande bicho papão da imaginação nacionalista – também não tem interesse algum em derrubar a Dilma?

Então....

6) Que tipo de “golpe” seria possível?

Deixo ver se eu entendi bem: você afirma que não tem nenhuma razão por golpe algum, seguindo a lógica marxista, mas acho que há de ter golpe porque você viu alguns reaças fazendo barulho na internet?

É isto, Marília?

Sua única “prova” de que um golpe está sendo planejado é, enfim, tautológica? Um golpe é possível porque há de ter um golpe? Então para poder ter “golpe”, vamos definir o processo normativo de uma democracia burguesa pós-moderna (a manipulação midiática para que a opinião pública aceite e defenda a diminuição de direitos políticos) como “golpe”?

É isto?
Minha amiga, vai ler Chomsky,  “Manufacturing Consent”: isto é o funcionamento NORMATIVO do estado burguês na época da mídia em massa. Encontre-se uma crise agora esse funcionamento somente porque os meios de comunicação temporariamente democratizaram e massificaram-se com a entrada da internet. Um confronto pequeno, então, teve a capacidade de incendiar e massificar uma série de ansiedades políticas que, outra hora, dificilmente ganhariam espaço na opinião pública.

Isto não é golpe: é crise. E a resposta adequada para essa crise não é a construção de teorias de conspiração.

Saturday, June 8, 2013

O Mal Estar da Prostituição

 por Ana Paula Silva

Uma campanha do Ministério da Saúde sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis voltadas para as prostitutas em comemoração ao Dia Internacional das Prostitutas causou celeuma e polêmica. Todos os seus idealizadores foram demitidos ou constrangidos a deixarem o cargo por pressão da bancada evangélica. Acredito que esta primeira ação é esperada, apesar de inaceitável, por parte do governo: desqualificar questões de saúde pública para valorizar os preconceitos e achismos dos defensores da bíblia.

No entanto, um cartaz em particular, provocou reações adversas não apenas em evangélicos, mas em pessoas que se entendem como defensoras de direitos e contra qualquer forma de discriminação. A imagem de uma mulher sorrindo com a frase "Eu sou feliz sendo prostituta" tem sofrido restrições e está sendo acusada de "glorificar", "glamourizar" uma profissão que, segundo estas pessoas, "objetifica", "mercantiliza", trata a mulher como "coisa" e, portanto, uma carreira não digna que qualquer pessoa possa querer na vida.

Frases como "sou contra a prostituição, mas a favor das prostitutas", "este mercado pode ser bom financeiramente para estas mulheres, mas elas precisam ter oportunidades melhores na vida", "como alguém pode ser feliz, fazendo um trabalho tão degradante e imoral como estes?", "não podemos deixar que mais meninas sigam este caminho. Elas precisam de uma vida melhor."

Assim como outros pesquisadores, tenho estudado seriamente o mercado do sexo faz algum tempo e assim, como eles, tenho percebido que as frases ditas acima, são extremamente carregadas de preconceitos que ajudam a legitimar ainda mais o estigma que este grupo social vem sofrendo ao longo de décadas, pois acreditam que a manutenção de um mercado semi-legal, não-regulamentado é a solução para extirpar um "mal" da sociedade. Não adianta achar que ser a favor das prostitutas, mas contra a prostituição garantirá direitos a estas pessoas. Como legalizar a prática e criminalizar o mercado? É minimamente uma incoerência e não resolve os problemas e estigmas que este grupo sofre.

Mas a questão persiste: por que uma mulher, líder das prostitutas, num cartaz dizendo "sou feliz sendo prostituta" causa tanto mal-estar até mesmo nas pessoas que se autodenominam "libertárias" e a favor da construção de "igualdades"?

Acredito que, infelizmente, ser prostituta foi tão estigmatizado (e a ciência colaborou enormemente para isto) que não se consegue vislumbrar que as pessoas que vivem disso  podem ser agentes e  cidadãs. Aprendemos que alguém que é  prostituta por si só está numa condição de inferioridade tão grande que todas as suas capacidades de discernir sobre o que é certo ou errado foram retiradas. Por isto continuam lá. De repente ter alguém fora desse padrão incomoda e parece estar "glamourizando" uma função que sabemos ser de antemão degradante.

Sinceramente o que tenho percebido, e que toda esta celeuma causou, inclusive, entre meus colegas de profissão e militância, é que os eficazes instrumentos de regulação sobre o sexo ainda perduram e se acredita piamente na naturalização do que seria sexo "ruim" e sexo "bom". De que deve existir uma "normalização" das práticas sexuais e as "aberrações" devem ser minimamente controladas.

O que afirmo se torna interessante quando pensamos em quem são os alvos desta "normalização": as mulheres. Nenhuma delas pode em sã consciência decidir ser puta e, independentemente, de sua função serem felizes. As mulheres não podem escolher o que fazer com o seu corpo, em relação ao sexo, particularmente se  não é entendido como "normativo".  "Alugar serviços sexuais" há de ser um vilipendiamento do seu corpo, torná-lo mercadoria exposta, mesmo que seja de sua escolha.

O campo da prostituição é diverso, complexo e não podemos afirmar que existe um tipo de prostituição. Existem muitos tipos e pessoas envolvidas de todas as classes e cores. É uma simplificação acreditar que só pobre se prostitui, no entanto, é interessante refletir sobre as várias trocas afetivo- sexuais que são vistas e entendidas como "prostituição". Determinadas trocas se envolvidas por pessoas  de classes sociais mais abastadas podem ser entendidas como "namoro". São até vislumbrados como relacionamentos de "interesse", mas não merecem as mesmas atenções das forças de segurança que prendem mulheres e violam seus direitos porque são taxadas de "putas".

Enfim, o que tenho estudado demonstra que a categoria "puta" é acusatória e é aplicada quando um certo tipo de mulher de classe e cor está envolvida e por isto, MERECE apanhar ou ser "controlada" e incentivada a procurar empregos "dignos", mesmo que boa parte delas tenha fugido dos entendidos empregos "dignos" que as pessoas teimam em achar que elas devem desempenhar.

Contudo, afirmar isto, é incentivar, glamourizar, glorificar a prostituição, como tenho lido em posts aqui no FB. Desde quando afirmar que estas pessoas precisam e devem ter direitos reconhecidos é glorificar a prostituição?

Então concordamos que para estas pessoas serem vistas como cidadãs elas precisam estar caídas na sarjeta, decadentes e reconhecerem que foram  meninas más por escolherem uma profissão aviltante? Mantendo a prostituição na semi-legalidade é a solução?

Enfim, acredito que muito ainda se precisa pensar sobre isto, mas o que me choca é o nao reconhecimento de pesquisas que já falam isto muito antes da minha entrada neste campo e ainda ouvir comentários de que não existem pesquisas sérias sobre o tema. Amigxs existem pesquisas sérias no Brasil e em outros lugares no mundo sobre o tema, o problema  é que não compactuam com os preconceitos vigentes e as soluções  abolicionistas para acabar com este "mal".

Tornar a prostituição mais ilegal e criminalizada não resolve e ajudamos o Estado a exercer controle sobre as populações  enxergadas como "indesejáveis" e, portanto, passíveis de  controles e restrições quanto aos seus direitos.

Este assunto me tocou profundamente e acho que precisamos ampliar o debate. É urgente e premente. Desculpem o longo post.

Thursday, June 6, 2013

O direito de falar



Como vários de vocês já devem saber, essa semana viu duas derrotas no campo dos direitos das mulheres aqui no Brasil. A semana começou com o Ministério da Saúde censurando imagens geradas por seu próprio equipe em função da celebração do Dia Internacional das Prostitutas. As imagens, que supostamente "glorificaram" a prostituição, foram retiradas do site do Min. Saúde e os responsáveis por sua geração foram sumariamente demitidos.

E, ontem, tivemos um avanço no congresso do Estatuto do Nasciturno, que basicamente situa o corpo da mulher como se esse fosse a propriedade do Estado.

Gente, essas derrotas devem nós ensinar uma coisa: não podemos confiar no Estado.

Menciono isto por que várias vezes nos últimos anos, tenho avisado a meus co-partidários dos movimentos gays e feministas CONTRA a eliminação das proteções constitucionais que existem em prole da liberdade de expressão.

Sim, pessoas como Rafinha Bastos são escrotas e falam um monte de merda. Todavia, exigir que o Estado investiga essas pessoas e as sujeitam a censura e as sanções políticas é um jogo muito perigoso num contexto político em que o Estado pode acabar nas mãos de nossos inimigos.

Não podemos, nunca, militar em prole da destruição dos direitos humanos básicos, mesmo quando nossos inimigos os utilizam para se proteger.

Espero que a atual situação dá uma noção da dimensão do problema que estamos encarando. Me pergunto, por exemplo, se vai chegar o dia em que fico preso por "defender a prostituição" (que é crime no Brasil)?

O direito de se expressar sem temer represálias é absolutamente a fundação de uma sociedade democrática. Quando militamos em favor de sua suspensão por que esse escroto aqui xingou alguém de "viado" ou aquele ali fez piada sobre estupro, criamos as bases para nossa própria censura em prole dos "bons costumes" e das milhares de leis inativas que existem na jurisprudência brasileira.

Está na hora, gente, de perceber que o Estado não é, necessariamente, nosso amiguinho. Aliás, não entendo muito bem como essa visão de "estado como defensor dos fracos" nasceu nos movimentos populares - particularmente num país que tem a história que o nosso tem.