Saturday, September 15, 2012

O homen que odeia os homens que odeiam as feministas

 por Thaddeus

Recentemente, Ivan Martins escreveu uma coluna na Revista Época sobre porque os homens supostamente odeiam o feminismo. Na primeira leitura, eu - como a Ana Paula e a maioria de meus amigos feministas - achava o artigo genial. Na medidad em que ele começou a ser postado e repostado por meu universo social, porém, uma sensação de mal estar tomou conta de mim. Ao que me parece, Ivan realmente acreditam num mundo "zero sum", onde a elevação das mulheres há de causar uma reação masculina e onde a raiva masculina para com as questões de gênero logicamente ha de ser uma reação contra o feminismo.

Pelo jeito, Ivan precisa ler o livro Susan Faludi, "Domados".

Deve ser problemático toda espécie de especulação sobre aquilo que um grupo de seres humanos pensa, sem a inclusão da análise que aqueles humanos fazem da sua situação. Essa é uma regra básica da antropologia que todos nos apreendemos. Todavia, por alguma razão, quando a questão  envolve questões de  gênero e o sentimento de mal-estar existencial pelo qual a masculinidade atualmente passa, essa regra é descartada. De repente, voltamos a 1880, quando os analistas sociais sabiam bem melhor que os nativos os coordenados da "realidade".

Deixo enunciar a tese de Faludi, só para mostrar onde uma verdadeira investigação de machismo pode ir, com uma pitada de imaginação sociológica e investimento em trabalho de campo...

Faludi acha que o problema não tem nada a ver com uma disposição essencial masculina contra as mulheres e a perda de "privilégios" e sim com o fato de que uma série de mudanças está acontecendo ao mesmo tempo e, portanto, estão fatalmente vivenciadas como um fenômeno só por muitos homens.

Por um lado, a masculinidade foi reduzida a um fenômeno estritamente "decorativo" no sentido em que ele não detém mais nenhuma utilidade funcional/econômica.

Pelo outro lado, milhões de empregos tradicionalmente "masculinos" têm sido eliminados da economia global com o fim do modernismo industrial e os que restaram têm sido largamente, dessexualizados. Ao mesmo tempo, as mulheres conseguiram construir uma libertação que as colocam em pé de igualdade formal naqueles países que, outra hora, eram o coração do sistema moderno e industrial.

(Estou ciente que, nas profissões mais bem remuneradas, os homens ainda dominam.  Faludi, porém, está conversando sobre os 99% dos empregos outra hora taxados como "masculinos" e não de tais profissões como banqueiro, neurocirurgião e engenheiro de petróleo.)

Finalmente, ninguém, em nenhum lugar do planeta, tem sido capaz de construir uma nova significação hegemônica para a masculinidade. Largamente falando, os homens continuam a se cobrar e a serem cobrados para serem "machos" numa época em que a macheza perdeu quase a totalidade de suas antigas funções. Você não precisa ser gênio para perceber isto: basta vivenciar.

É claro que muitos homens, vivenciando a cobrança de uma masculinidade obsoleta e até anti-funcional, sem ter perspectivas de criar outra masculinidade, se sentem absolutamente traídos, domados, sem jeito e sem rumo. Também devem ser óbvio que uma população assim terá enormes tendências de utilizar explicações simplistas e simbólicas para dar conta de seu mal-estar. Como o empoderamento relativa da mulher tem acontecido nessa mesma época, não é de supreender que muitos homens vejam, no "feminismo", um bode expiatório para seus problemas de função e identidade - que são problemas reais e sérios.

Não é a auto-suficiência da mulher que esses caras temem, em sua maioria, e sim o fato de ser homem e ser obsoleto ou ser trivial.

E claro, a mídia - atenta a esse fenômeno - sabe utilizar tal bile para vender jornais... Da mesma maneira que a mídia sabe bater no tambor da violência doméstica em outro contexto politizado de gênero.

O problema do artigo do Ivan, a meu ver, é que ele QUASE acerta na mosca, mas no final das contas, esquiva do verdadeiro problema. Os homens, enquanto classe, estão desafetos e, em muitos aspectos, tem razão para serem assim. O problema é que estão direcionando sua raiva contra o feminismo que é, em geral, um fenômeno que não é a origem de seus problemas. Em vez de investigar PORQUE os homens estão assim, Ivan parece concordar com eles, por vias indiretas. Parece concordar que é a elevação relativa da mulher que é a origem dos problemas que atualmente afligem a masculinidade, em vez da destruição da masculinidade, pelo capitalismo, sem a criação de algum novo modelo masculino de ser.