Geisy Arruda, 20, e a saia que abalou Uniban.
Estamos assistindo, abismados, toda a situação da aluna Geisy,da Uniban que culminou com a sua expulsão sumária. Tudo porque a moça estava com um vestido vermelho curto.
A história começou quando a aluna foi para a faculdade com o tal vestido e os alunos se revoltaram e quase a lincharam. A instituição, além, de não conter os colegas de Geisy ainda decidiram expulsá-la.
Aqui vai uma série de reportagens sobre o caso retirados do "O Globo" e também da "Folha de São Paulo"...
Os linchadores da Uniban
SÃO PAULO - A notícia da expulsão de Geisy Arruda pela Uniban é estarrecedora. O informe divulgado ontem pela direção da universidade, por meio do qual a aluna ficou sabendo da decisão, é um panfleto obscurantista que requer análise. Ele transforma a incitação ao estupro de uma jovem acossada na universidade por algumas centenas de marmanjos em "reação coletiva de defesa do ambiente escolar".
Eis o que conclui a "sindicância" da Uniban: "Foi constatado que a atitude provocativa da aluna buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar". Geisy, diz a nota, ensejou "de forma explícita os apelos dos alunos" e foi expulsa por "flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". O título do informe agrega ao conteúdo um toque de humor negro: "A educação se faz com atitude e não com complacência".
De que educação falam esses farsantes? Devemos chamar essa fábrica de açougueiros de instituição de ensino? Que princípio ético ou dignidade acadêmica podem sobreviver a uma escola que pune a vítima humilhada para respaldar a brutalidade e a covardia de uma turba excitada com a própria fúria?
Como se sentirão agora as garotas que estudam na Uniban? Estarão os rapazes liberados pela direção a agir sempre assim em defesa do "ambiente escolar"?
As cenas são conhecidas: "Pu-ta!, pu-ta!", "vamos estuprar!", "solta ela, professor!". Um aluno chutou a maçaneta da porta da sala em que a moça estava encurralada; outros tentaram colocar o celular entre suas pernas para fotografá-la.
A Uniban invoca um zelo pedagógico que não tem para satisfazer a vontade fascista da maioria e preservar os negócios. Com sua decisão, ela deu chancela institucional aos atos de barbárie praticados em suas dependências. Mais do que isso: ao linchar Geisy, a universidade consuma o serviço que os alunos haviam deixado pela metade.
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MEC vai questionar expulsão de aluna
Pasta pedirá esclarecimentos à Uniban e pode solicitar que a universidade se comporte como "instituição de educação"
Ministra Nilcéa Freire (Políticas para as Mulheres), também criticou a medida, que, para ela, demonstra intolerância e discriminação
O MEC (Ministério da Educação) anunciou ontem que pedirá esclarecimentos à Uniban sobre a expulsão da estudante Geisy Villa Nova Arruda, 20, que foi hostilizada por outros alunos ao usar um vestido curto para ir à aula do curso de turismo, no campus da universidade em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo).
Também ontem, por meio da Agência Brasil (agência oficial do governo), a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, afirmou que irá interpelar a universidade -segundo ela, a atitude demonstra "absoluta intolerância e discriminação".
Ontem, a Uniban publicou em jornais de grande circulação de São Paulo comunicado informando que Geisy "desrespeitou os princípios éticos, a dignidade acadêmica e a moralidade" e, por isso, foi expulsa.
Entre seis e oito alunos (a Uniban não soube precisar) foram suspensos por participarem do tumulto, em 22 de outubro. A aluna teve de deixar o campus escoltada pela PM.
"Vamos analisar o que ocorreu e, em vista dos esclarecimentos da universidade, o MEC pode recomendar que a universidade se comporte como uma instituição de educação", afirmou Maria Paula Dallari Bucci, secretária de Educação Superior do ministério. ""É um absurdo. A estudante passou de vítima a ré", disse Nilcéa.
Segundo Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, a Uniban pode ser desativada caso fique comprovado que foi intolerante ou discriminou a estudante. "Não é uma mera sindicância que pode levar à expulsão. A universidade deveria ter aberto um processo administrativo e dar a ela o direito de defesa."
O MEC pode suspender a prerrogativa de autonomia da instituição -impedindo-a de criar cursos ou abrir vagas- e até descredenciá-la. "Mas é a pena mais grave, e é até leviano eu falar isso", diz Bucci.
De acordo com ela, a Secretaria de Educação Superior não tem poder para fazer com que a Uniban reintegre Geisy, mas isso pode ocorrer. "É raríssimo acontecer de uma instituição não se abalar com a recomendação. Normalmente, a instituição responde e diz que quer se adequar."
Para o assistente jurídico da Uniban, Décio Lencioni Machado, o MEC não pode interferir nas questões administrativas da instituição. "Foi uma decisão interna, cumprimos o nosso regimento." Ele diz ainda que a universidade deu à estudante direito de defesa, mas que ela não quis indicar pessoas que pudessem defendê-la.
Inquérito
João Ibaixe Júnior, advogado de Geisy, afirmou ontem que pedirá a abertura de um inquérito policial na Delegacia da Mulher de São Bernardo do Campo para apurar o tumulto.
Segundo ele, há a possibilidade de os envolvidos -incluindo os alunos que a hostilizaram e funcionários e responsáveis da universidade- terem cometido sete crimes: difamação, injúria, constrangimento ilegal, ameaça de prática de mal injusto, cárcere privado, incitação ao crime e crime contra a dignidade sexual. A pena total pode chegar até a oito anos.
(LUISA ALCANTARA, TALITA BEDINELLI E SILVA E ALENCAR IZIDORO)
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A barbárie na universidade
ARTHUR ROQUETE DE MACEDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A expulsão da aluna Geisy Arruda da Uniban foi o epílogo de uma sucessão de equívocos marcada pela intolerância, pela falta de educação e pela ausência de política educacional e administrativa compatível com as responsabilidades, as finalidades e as diretrizes de uma instituição universitária. Ao ver na TV as cenas deprimentes, a impressão é que estamos numa instituição localizada em outra época e outra parte do mundo e não no século 21, num país com as características do Brasil.
Pelas informações conhecidas, a instituição puniu sem desfaçatez a vitima de um assédio coletivo brutal, colocando que "a aluna tem frequentado a universidade em trajes inadequados". Quais as providências tomadas para impedir o acesso da estudante com os trajes definidos como inadequados? Existe na universidade um manual de conduta? A instituição tem condições de avaliar a obediência a este manual?
Em outra argumentação a instituição diz que: "a aluna fez um percurso maior que o habitual, aumentando sua exposição". Pelo visto, na universidade, a autonomia para ir e vir, há tanto consagrada na civilização ocidental, não é assegurada. Seria indispensável saber se não há mecanismo que impeça que uma horda de estudantes intolerantes e mal-educados possam molestar um ser humano, colocado em uma posição totalmente indefesa, tanto que foi preciso proteção policial para que pudesse sair em segurança.
A presença entre os estudantes de meninas mostra o desconhecimento da luta das mulheres para conquistarem o direito de frequentar, em igualdades de condições com os homens, os mais diferentes espaços da sociedade contemporânea.
ARTHUR ROQUETE DE MACEDO é membro da Academia Brasileira de Educação, ex-reitor da Unesp e já integrou o Conselho Nacional de Educação
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Culpar a vítima: essa foi a estratégia
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Culpe a vítima. Essa foi a estratégia utilizada pela Uniban para, vá lá, "reduzir os danos" provocados pelo "affaire" Geisy. Acho que não chamaram ninguém do Departamento de Marketing para a reunião que definiu a expulsão. Nem da Pedagogia, nem o professor de Ética (se é que têm um).
Chamaram apenas alguém do Jurídico, o qual concluiu que a agora ex-aluna violou o artigo 215 e seguintes do Regimento Interno da universidade, ao usar "trajes inadequados" e fazer "percursos maiores que o habitual".
Não é preciso pós-graduação em astrologia para perceber que o impacto da decisão não é dos mais auspiciosos para a universidade.
Conseguiram transformar o que já era um pesadelo de relações públicas naquilo que o pessoal das Letras Clássicas chamaria de "defaecatio maxima" -e que o pudor que faltou aos dirigentes da instituição me impede de traduzir.
A provável ação indenizatória que Geisy moverá contra a escola acaba de ter seu valor majorado. A Uniban também deve ter perdido potenciais candidatos a estudante. Eu, pelo menos, pensaria várias vezes antes de matricular meus filhos numa faculdade que busca proteger um bando de arruaceiros atacando o elo mais fraco.
A estratégia de culpar a vítima é bem conhecida. Se uma garota foi estuprada, ela é pelo menos parcialmente responsável por seu destino: de alguma forma, provocou o estuprador, seja por utilizar roupas insinuantes, seja por meio de atitudes libidinosas. Afinal, nada acontece "de graça".
A psicologia explica tal atitude como um autoengano que visa a nos manter em posição de controle: se eu não me comportar "mal" como a "vítima", não estou sujeito ao mesmo risco. Tal operação mental nos permite persistir na crença de que o mundo é um lugar justo. Não é, como a Uniban acaba de demonstrar exemplarmente.
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Saiômetro
A patrulha da roupa curta vai além da Uniban; o Folhateen foi a sete faculdades conferir o que se usa (e o que se fala) em dia de aula
E não é que, passadas quase cinco décadas da invenção da minissaia, as pernas de fora ainda são motivo para saia justa?
Após o já clássico episódio que correu a internet na semana passada, em que uma garota foi às aulas na Uniban (em São Bernardo do Campo) com um vestido curto e saiu de lá escoltada pela polícia sob xingamentos de outros alunos, o comprimento das saias e dos shorts das colegas se tornou assunto obrigatório em qualquer rodinha universitária. Como, aliás, acontece todos os dias.
Na Faap, por exemplo. "Aqui, pelo menos, as meninas se vestem bem. Mas tem uma menina que é meio "vaga". Na verdade, acho que ela tem problemas. Ela usa "sainha" de ir à praia para vir à escola", dizia Daise Davanzo, 22, estudante de economia, na noite de sexta-feira.
Carolina Fôlego, 25, que faz arquitetura na Uninove, acha "ridículo tamanho de saia ser assunto" no ambiente universitário. "O pior é que, se aparece uma menina crente, de saia no pé, também ridicularizam. As pessoas se preocupam demais com os outros. Estamos aqui para estudar."
Na mesma noite de sexta, o Folhateen visitou FGV-SP, Mackenzie, Faculdades Oswaldo Cruz, PUC-SP, USP, Uninove e Uniban. Em geral, os estudantes (inclusive os da Uniban) afirmaram que condenam a atitude dos colegas da estudante xingada, mas as opiniões deixam claro que o excesso de vigilância não é exclusivo daqueles alunos de São Bernardo.
No curso de direto da USP, no Largo São Francisco, Maira Pinheiro, 19, se ofendeu com o tratamento dado a uma aluna, dois anos atrás. "Ela foi de short a um debate sobre a eleição do centro acadêmico e uma pessoa da oposição teve a pachorra de perguntar se ela foi de short para ganhar mais voto", relata, indignada.
Ana Carolina Aggio, 19, do curso de artes cênicas da USP, diz que ali esse tipo de piada ou ofensa coletiva não aconteceriam. "Lá no departamento [na Escola de Comunicações e Artes], a gente sempre toma banho de mangueira, ficamos só de sutiã. Se isso [discriminação] acontecesse aqui, seria na Poli [Escola Politécnica]."
Marcelo Canovas, 20, e Adonis Maitino, 20, do curso de engenharia de produção, estrilaram com o comentário e disseram que os futuros engenheiros são respeitosos e tolerantes "com a diversidade".
Rita Catunda, 19, estudante de cinema na Faap, combinava na sexta-feira meia-calça roxa e short jeans. "No meu trabalho, já fui discriminada por causa deste short", conta. "Me aconselharam a ir mais vestida no dia seguinte, em tom de brincadeira. É mais que roupa. Conta também o lugar e, mais ainda, o comportamento."
Sobre o caso da Uniban, muitos estudantes falaram em "linchamento" e "covardia" de pessoas que se tornam agressivas quando estão protegidas pelo anonimato da multidão.
"É como no "bullying" da escola. Quem tem coragem de começar? Ninguém. Mas, depois que um fala, todo mundo vai atrás. Na hora em que a polícia quiser saber, ninguém vai assumir quem começou. Com o apoio coletivo, veem que não vão se ferrar sozinhos", diz Fernanda Naresi, 19, da publicidade do Mackenzie.
(CHICO FELITTI, DANIEL BERGAMASCO, JAMES CIMINO e TARSO ARAÚJO)
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