Monday, September 23, 2013

Can We Do It? Homonacionalismo e feminismo carcereiro



O Fazendo Gênero 10 usou (e até abusou) de variações da famosa imagem "We can do it!" de Rosie the Riveter em todas suas produções.

Achei isto uma opção interessante, dado a palestra final proferida por Sarah Schulman, que falava do conceito (largamen
te desconhecido no Brasil) de "homonacionalismo" para criticar, justamente, a ideologia de família e nação que está crescendo em certos cantos dos movimentos gays no ocidente.

A imagem de Rosie, de mangas puxadas e braço erguido (que tem ficado viral no Brasil nos últimos anos), é uma das imagens mais icônicas da força da mulher produzidas no último século. Pena que suas articulações às aspirações imperiais dos EUA são pouco lembradas quando a imagem é usada por feministas hoje. "Rosie the Riveter" era uma criação propagandística do governo dos Estado Unidos nos anos '40, usada durante a Segunda Guerra para incentivar a participação das mulheres nas indústrias bélicas daquele país.

A imagem de Rosie é, afinal, um excelente exemplo de um certo tipo de "feminismo nacionalista" (e bélica), muito semelhante ao "homonacionalismo" tão bem criticado por Schulman... Só que esse "feminismo nacionalista" já tem 70 anos de existência enquanto o homonacionalismo mal tem uma década de vida!

Dado esse fato, me parece irônica a sensibilidade que Schulman tem ao homonacionalismo.

O feminismo também tem feito (e ainda faz) seus flertes com o Estado e com Patriotismo - e não só nos dias passados. É bom meditar sobre o fato que o feminismo (ou pelo menos algumas das tendências mais importantes dentro do feminismo) também está se deslocando em direção ao nacionalismo e do aparelho do Estado no atual momento de crise econômica e política global.

Podemos citar, por exemplo, o novo abolicionismo que tem tomado conta de boa parte do feminismo e que aposta na repressão da prostituição pelo aparato policial do Estado, sem tomar em consideração os efeitos prováveis dessa "militarização" da questão em sociedades profundamente travessadas por questões de raça e classe como Brasil e os Estados Unidos. A falta de análise histórica sobre os efeitos do proibicionismo de álcool (nos EUA na década de 20) e das drogas (em quase todo o mundo após da década de '60) parece ser quase absoluta em círculos feministas abolicionistas - particularmente aquelas lideradas por pessoas oriundas das classes mais abastadas, associadas às ideologias tradicionais de colonialismo ocidental.

Outro aspecto dessa "virada em direção ao Estado" tomada por certos feminismos nos últimos anos tem sido sua aceitação acrítica do assim-chamada "luta contra o tráfico humano". Em muitos países, esse tema (que remete em muitas instâncias à retórica nativista e racista da cruzada contra a "escravidão branca" da década de '20) tem sido mobilizado pelo Estado para reprimir às migrações ilegais e irregulares, colocando em perigo as vidas e a liberdade das mesmas mulheres que as políticas anti-tráfico teoricamente veiram auxiliar.

O fato é isto irmxs: vivemos num mundo cada vez mais repressor e conservador, cujos elites parecem cada vez mais aptos a lançar mão de políticas de repressão para manter seu controle. Tanto certas linhas feministas quanto certas tendências LGBT estão sendo tentados a aliar-se com o Estado nestes momentos, pois recursos, empregos e notoriedade podem aparecer para aqueles grupos que aceitam dar certa patina de legitimidade para ações repressoras lançadas em cima de populações suspeitas (quase sempre pobres e não brancas).

Neste momento de crise, é bom lembrar que a liderança de ambos os movimentos ainda continua a ser massivamente oriunda das classes médias e burguesas. Se esses líderes não adotam uma ótica verdadeiramente interseccional, munida por uma crítica ancorada na historia do colonialismo e capitalismo, as soluções alcançadas por estes movimentos hão de beneficiar só uma pequena minoria de pessoas: as que podem pagar por elas.

Bom, abrindo essa contemplação minha, resolvi postar uma inversão queer/humorística da imagem de Rosie, tão empregada pelo FG 10. Essa vem da revista on-line de humor "Cracked", de sua série de "Imagens Famosas Vistas por Outros Ângulos..."

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