Monday, August 27, 2012

"Onde você guarda seus -ismos?"




(O texto abaixo é uma resposta ao artigo "Onde você guarda seu machismo?", escrito por
Marília Moschkovich no 12.03.2012. O artigo original pode ser lido aqui...)


Meu problema com tais questões ("Onde você guarda seu ------?"), é que parecem situar problemas sociais como se esses fossem desvios psicológicos. As vezes, parece que estão confundindo preconceitos (um problema psicológico) com exclusões sociais.

Quero dizer, entendo o intúito de tais questionamentos: vamos fazer as pessoas contemplar atitudes que podem ter, inconscientemente.

Mas o problema mais grave do racismo e machismo é que são incorporados dentro da estrutura sócio-econômica da sociedade. Ter ou não ter as atitudes descritas acima não quer dizer nada, necessariamente, sobre o comportamento social do indivíduo.

Vou dar um exemplo bem conhecido e estudado vindo do campo do racismo, nos EUA.

Alguns anos atrás, fizeram uma série de estudos sobre a segregação racial naquele país. Em particular, queriam saber pq as famílias brancas costumavam abandonar um bairro logo após da entrada de uma família negra. A hipótese inicial era que os branco eram preconceituosos.

O que a pesquisa revelou, porém, era uma ausência relativa de preconceitos. Os brancos que abandonaram o bairro não eram notávelmente anti-negro. Em muitos casos, tinham amigos e colegas negros e nada indica que suas ações eram motivadas pelo ódio racial. Muitos até afirmaram que a segregação residencial era algo injusto e horrível.

Porque, então, estavam se mudando logo após que uma família negra comprava uma casa em seu bairro?

Os brancos SABIAM que viviamm num universo imobilário segregado e tinham investido muito dinheiro em suas casas. Sabiam que a desvalorização imobiliário sempre acontecia nos bairros onde os negros moravam. Então, para proteger seu patrimônio, vendiam suas casas tão logo quanto o bairro dava sinais de se integrar.

Cada venda, é claro, reduzia os preços das outras propriedades, colocando mais pressão por cima dos outros brancos para vender. Logo, todos os brancos estavam doidos para se livrar de sua propriedade e os preços cairam dramaticamente, promovendo, é claro, ainda mais migração.

O resultado final era um bairro segregado, desvalorizado de negros. A própria estrutura econômica racista do mercado criava essa situação sem nenhum subsídio necessário de atitudes pessoais racistas (i.e. "preconceitos"). Quem não vendia sua casa, de fato, acabou perdendo a metade do valor de seu patrimônio. Agindo estritamente de acordo com suas interesses pessoais, então, e sem necessariamente demonstrar nenhum indício exagerado de preconceitos, os brancos recriavam um padrão de habitação profundamente racista.

Para com sexismo, posso dar um exemplos semelhantes.

Como jovem sociólogo nos EUA na década de '80, fui ensinado que estes "-ismos", por serem parte da estrutura social, simplesmente não são remediáveis através de ataques contra atitudes pessoais. As vezes, me assusta que essa maneira de pensar o racismo e sexismo parece estranho para as ciências sociais brasileiras, que continuam em enxergar essas questões através da ótica do preconceito.

4 comments:

  1. Eu discordo. Instituições sociais não são seres sapientes. Eles são controlados por pessoas, e os "-isms" destes manifestar pessoas nas instituições que eles controlam.

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  2. Quem disse que as instituições são controladas por indivíduos? Cadê a prova disto? Que existe uma dialética entre agência individual e as estruturas sociais, tudo bem. Existe. Mas tenta, você, ir contra uma instituição social. Tenta, por exemplo, aparecer na sala de aula vesitido de roupa de banho e volta a me dizer como suas ações "controlaram" a instituição.

    O ponto não é que as pessoas são teleguiadas pela sociedade: o ponto é que essas instituições existem INDEPENDENTE dos desejos individuais.

    Portanto, você pode se achar a pessoa menos preconceituosa do mundo, totalmente liberal e aberta, mas numa discussão comigo, a primeira coisa que você vai pegar e a xenofobia: vai me desqualificar como gringo ignorante. Você não tem que "guardar" esse preconceito: a sociedade o guarda para você. Ele está logo ali, quando você precisa.

    Daí, a relativa infertilidade dessas campanhas "Onde você guarda seu racismo?", que presumem que o racismo é MÁ e informar todo mundo disto vai mudar o comportamento das pessoas. Nunca vi racista algum começar seus comentários falando "Como racista, acho que..." Todos começam com "Não sou preconceituoso, mas..." NUNCA vi brasileiro algum assumir seus preconceitos. Quando digo que tenho preconceitos, aliás, e que isto é inevitável, dado a construção social de tais preconceitos, parece que meus alunos acham que me declarei como satanista.

    A meu ver, D., você tem uma visão um pouco simplista da sociedade, onde as "pessoas más e preconceituosas" confrontam se com as "pessoas boas, sem preconceitos". Essa ideologia é brasileira até dizer chega, enraizada em nosso complexo de cordialidade onde ninguém que é "bom" pode fazer algo de mal.

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  3. (I didn't know you were the author when I first commented Thaddeus. Stupidity on my part. If you don't mind, I'd rather not use Google Translate).

    I agree with the thesis; a "Where they keep your ______" campaign won't help to combat racism in individuals, let alone in social systems.

    I admit that my view of society is simple. Society isn't my field of study. Help me understand, if institutions and social constructs are independent of individual desires and prejudices, why do they perpetuate racism, sexism, homophobia, etc.?

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  4. It's not so much that they are independent as they are constructed in a complex dialectic with individual desires and etc. But once established, the problem is that you can't wish them away.

    They perpetuate these things because they are useful to people's individual projects. As people are engaging in their day-to-day struggles and conflicts, these terms and ideas can be grasped and utilized by them in order to disqualify their opponents. This is one reason they persist.

    Another reason they persist is that they are deeply rooted in the social foundations of common sense and every day values. You can tell someone "Stop being a racist! Look at where you're keeping your racism!" OK, fine. But that person thinks of racism as this evil tendency to hate people because of their skin color. She doesn't think of it as, say, her tendency to think of straight, blond hair as "more beautiful" or to look at black kids when they're acting up and qualify them as "moleques".

    Racism works in this fashion, through its cooptation of our commonsense, much more than through actually saying "Hate such and such a group because they are so-and-so".

    So people who see those posters are more likely to say "Yeah, those racist assholes should stop and think about why they are so ignorant", even while they're on their way to get their hair straightened, even while they see PMs on the T.V. killing poor black people and thinking nothing about it whatsoever.

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